Esses dias me perguntaram no Instagram como tem sido a vida – especificamente, a “vida de solteira”.
E essa vida aconteceu tanto e tão rápido que sinto que foram muitas em alguns meses.
Me entreguei a algo que estava adormecido dentro de mim e vi cada pedacinho de mim reacender, numa dança de descobrimento e re-conhecimento em que eu brincava em todos os papeis. Uma mistura de curiosidade e espontaneidade que não pedia muita licença pra acontecer.
Isso também sou eu.
Em janeiro fui pra Bahia pela primeira vez.
Em fevereiro conheci a Ilha do Ferro, no Alagoas.
Em março vivi o carnaval de Belo Horizonte.
Em abril dancei muito - saí muito - malhei muito - trabalhei muito - fui assaltada - fui pro rio - fui pra bahia.
Não parei quieta, nem fora, nem dentro. Não esse ano.
Um monte de coisa acontecendo, e eu me deixando viver tudo, viver um monte.
De tudo que se mexia infinitamente, fiz um acordo comigo mesma: escolher intencionalmente, não deixar que escolham por mim.
Dizer “sim” quando eu verdadeiramente quero dizer “sim", e não ter receio de dizer “não, não quero".
Isso sempre foi uma questão (pra mim).
O medo de falar não e causar um desconforto imenso na outra pessoa. O medo de falar o que eu queria ou - pior ainda - deixar claro o que eu não queria, e ver o outro indo embora.
Nessas eu aprendi a engolir frustrações, insatisfações e quase todos os meus limites, presa num estado de sobrevivência em que me acostumei a estar desconfortável, em sustentar incômodos para que as pessoas pudessem viver seus desejos sem ter que lidar com nada daquilo.
Com a realidade, com escolhas, com consequências e com limites.
Eu fiquei tão absurdamente boa nisso que fazia parecer natural. Conseguia justificar com argumentos racionais e muito embasados coisas que, no fundo, me machucavam profundamente. Que eu não queria viver. Que não me faziam bem. Que eram absurdos.
Passei uma vida desse jeito.
Aprendi a ser assim desde criança e fui só ficando melhor.
Lapidei muitos pedacinhos de mim pra (tentar) agradar outras pessoas. Ser palatável, ser boazinha, ser tão dócil que não houvesse outra opção que não a de ser amada, ser cuidada, ser escolhida.
Pena que não é assim que a banda toca.
Você não ganha mais amor, você não se protege de ser abandonada, você não controla como as pessoas vão te tratar.
Você só vai se tornando uma versão cada vez mais distante de si mesma. Fragmentada para não incomodar com o seu tamanho todo, com você inteira.
Tão acostumada a ser pequenininha que quando se dá conta – primeiro aos poucos, e então num rompante – de tudo que você é, assusta-se com a sua própria grandeza.
“Eu sou isso tudo mesmo?”
Eu sou tudo isso mesmo.
Sempre me considerei uma pessoa independente.
Porém olhando de trás pra frente, algo sempre esteve em desarranjo.
Me mudei pra cidade grande aos 19 anos, sozinha, com duas mãos abanando e um sonho, e muito antes disso eu já era responsável por mim mesma de vários jeitos diferentes.
No entanto, passei praticamente toda a minha vida “crescida” em relacionamentos românticos.
Dividindo a minha vida com outra pessoa, pensando como “nós” muito mais do que como “eu”. Por bastante tempo nunca questionei muito isso, afinal, na nossa sociedade estar num relacionamento é sinal de sucesso, então por que eu deveria?
Meu primeiro namoro aconteceu de sopetão.
Eu tinha quinze anos, não me considerava bonita, minha autoestima era baixíssima e eu odiava o fato de que toda as meninas ao meu redor pareciam mais interessantes, mais gatas e mais experientes do que eu. Definitivamente mais desejadas.
Eu era o arquétipo da CDF, com meus livros pra lá e pra cá, meu nariz empinado por me achar mais inteligente do que todo mundo, enfurnada nas bibliotecas, nerd sobre RPG e videogame, e com pouquíssimos amigos. Os professores me adoravam, mas só eles.
Então quando aquele menino deixou seu olhar se fixar em mim por mais de dez segundos na minha primeira semana de aula numa escola nova, algo aconteceu.
Eu me senti vista, desejada, validada. E eu quis mais daquilo.
Afinal, era sobre esse olhar que tudo revolvia naquela época.
Ter a atenção deles. Ser escolhida. Não precisar mais pensar sobre isso.
Resolver.
Fui a namorada dele por quase três anos.
Às vezes ele me dizia que eu era boa demais pra ele, e às vezes fazia eu ter ainda mais certeza que era a mais grotesca dentre as mulheres. Ele também me disse que estudar na USP era um delírio.
Só terminei quando me vi apaixonda por outra pessoa.
Um amigo, alguém que me via pela minha personalidade.
Tudo o que eu falava era interessante, ele me achava inteligente, divertida, surpreendente.
Através dele eu me sentia completamente capaz de fazer qualquer coisa.
Ele acreditava mais em mim do que eu mesma, e ao lado dele eu realizei meu sonho de passar não só na USP, mas em três faculdades públicas. Ele não conseguiu o mesmo e durante um ano senti que não podia ser plenamente feliz com minha conquista enquanto ele estivesse frustrado.
Essa história durou quase oito anos. Passei todo o início da minha vida adulta nessa relação, que era calma, acolhedora e confortável. Me sentia blindada de muitas coisas, completamente focada na minha carreira, com alguém que era uma companhia segura todos os dias.
Achei que íamos casar, tínhamos a data gravada na ponta da língua, e eu a certeza de que ia viver a narrativa mais clássica de todas, com tudo que tinha direito.
Ele escrevia bilhetes pra que eu encontrasse no meio dos meus livros, sabia minhas comidas favoritas, embarcava em todas as minhas pequenas obsessões, ouvia todas as minhas queixas de trabalho e me apoiou em absolutamente todos os passos que eu dei na vida - e realmente fui capaz de fazer qualquer coisa com ele ao meu lado.
Ele era meu melhor amigo.
Mas isso não foi o suficiente.
O término foi um processo longo, vivido muitos meses na minha cabeça, até colocar em palavras e tornar real.
Eu tinha 25 anos, não dependia de ninguém, mas não tinha nenhuma ideia de quem eu era sem alguém do meu lado pra me validar.
Não tinha mãe, não tinha pai e não tinha namorado pra fazer esse papel.
E foi um desastre.
Uma bateção de cabeça numa parede imaginária que me deixou totalmente desconcertada.
Me sentia uma jovenzinha boba, totalmente sedenta por atenção, por pertencer, por encontrar respostas rápidas e terra firme do lado de fora.
Me apaixonava por qualquer ser humano que me olhasse por mais de dez segundos, tal qual meus 15 anos.
Queria resolver o fato de estar me sentindo completamente perdida arrumando alguém pra resolver isso por mim.
Alguém que me daria um norte, que preencheria meus dias, que me falaria quão boa e quão capaz eu era. Que eu estava no caminho certo.
Hoje em dia eu lembro dessa época e dou risada, mas foi uma bagunça.
Falar que não me diverti nada é um exagero, mas passei boa parte dessa época angústiada, infeliz, me sentindo insatisfeita comigo e com tudo, buscando todas as distrações possíveis para que eu não encarasse a real questão:
Quem sou?
Quem sou sem tudo isso?
Quem sou sem um homem me dizendo o que eu sou? Sem uma relação romântica ocupando o lugar central da minha vida?
Sem alguém pra quem eu pudesse direcionar minha preciosa energia e ajudar a florescer enquanto eu mesma evitava olhar para os meus próprios desejo, ambições e sonhos?
Quem é a pessoa que está sustentando tudo isso sem conseguir olhar pra si mesma?
Demorou pra eu ter coragem de olhar pra essas e outras perguntas e começar o longo – e árduo e nada divertido – trabalho de respondê-las.
Não tem múltipla escolha, no fim das contas. É você com você e fé.
Sigo respondendo, sigo elaborando, re-escrevendo, redescobrindo.
Tive mais outros dois relacionamentos.
Um deles completamente disfuncional e complicado - mas que foi também uma delícia sem precedentes, excitante, intenso, alucinante.
Descobri muitas coisas boas sobre mim nessa relação, uma versão que eu apenas espreitava, e que tinha até vergonha de admitir que existia.
Descobri também que não estava saudável mentalmente, e que usei toda aquela paixão como combustível pra minha vontade de viver, e cada vez que ela oscilava, eu me via mais e mais fundo no terrível poço que eu habitava.
Eu era viciada nas sensações todas que eu tinha quando estava com ele, e me via sem chão, sem ar, sem direção quando estava sem.
Foi só aí que eu aceitei que precisava de ajuda e fui fazer terapia. Eu tinha 27 anos.
Entre idas e vindas ao longo de um ano todo, botei um ponto final na completa loucura que era aquele namoro ainda completamente apaixonada.
Mas não fiquei sozinha.
Óbvio que não.
Imagina se eu tomaria a corajosa decisão de ficar sem minha droga sem nada pra substituir aquela sensação de que eu tanto precisava e me abastecia?
Não dei tempo de nada cicatrizar, de nada doer do jeito que precisava doer, de elaborar qualquer coisa que fosse com o espaço necessário.
Fui lambendo as feridas enquanto explorava uma nova paixão.
Tentava compartimentar as sensações, chorava num dia e sorria de orelha a orelha no outro.
Me joguei de cabeça numa outra relação e fiquei nela até o ano passado. Foram sete anos.
No meio disso tudo vivi mais mil vidas.
Aprendi muito sobre mim, sobre o outro, sobre modos de se relacionar. Morei junto, morei separado. Experimentei coisas e conheci lugares, físicos e abstratos, que nunca havia visto antes.
Criei uma empresa do nada, tenho uma equipe, tenho clientes.
Vivi e realizei muitos sonhos.
Encarei o melhor e o pior de mim. Muitas e muitas vezes.
E quando decidi que essa história também tinha chegado ao fim, foi com a certeza de que essa era uma das decisões mais difíceis e também uma das mais importantes.
Faz pouco mais de seis meses que eu fiz essa escolha.
E eu estou muito bem.
De um jeito que nunca me vi e nem nunca vivi.
O melhor que eu jamais estive.
Uma sensação que vem absolutamente de dentro de mim.
Ali atrás eu não acreditava que ia sentir isso. Nada disso.
Inclusive duvidava de que eu voltaria a me sentir bem, de que ia passar, de que ia deixar de doer tanto.
Não acreditava que poderia sentir essa paz, essa tranquilidade.
Sequer que eu ia gostar de viver fora de uma relação.
Pois queria voltar no tempo, praquela Stephanie que chorava toda noite até dormir – e só depois de engolir dois remédios de venda controlada –, abraçá-la bem forte e dizer: “Meu amor, o melhor da sua vida está aqui do outro lado dessa decisão difícil, te esperando.
O seu melhor encontro, o encontro consigo mesma, vai ser a melhor coisa que você vai experimentar. É a melhor vida que você já teve. Não tenha medo de escolher a si mesma. Não tenha medo de colocar seus limites. Não tenha medo de enfrentar o desconhecido. Não adie o que precisa urgentemente ser vivido.
Abrace sua coragem, abrace o que pulsa dentro de você.”
A coisa que eu mais temia era terminar aquela relação. Eu ficava apavorada de pensar. Me causava angústia, ansiedade, tudo de ruim. Eu sentia que dar por encerrado era atestar minha insuficiência, minha incompetência. Eu me sentiria humilhada.
E tive muito medo.
Quando aconteceu, recebi muitos conselhos. Guardei todos eles numa caixinha e não olhei pra ela.
Entendi que esse momento não poderia ser vivido com ruído. Com distrações. Com pressa.
Eu precisava verdadeiramente sentir tudo o que tava dentro de mim e dar espaço pra essas coisas assentarem, cicatrizarem, e no meio disso tudo de fato encarar a realidade. Sem subterfúgios. Sem pessoas me dizendo isso ou aquilo. Sem validação de fora. Sem ser desejada. Sem me alienar, sem me anestesiar.
Foi muito difícil.
E doeu pra caralho.
Me senti em carne viva, e cuidei de cada pedacinho de mim.
Cuidei com todo o amor que um dia dediquei a outras pessoas.
E passou.
Passou porque passei pelo processo, não fugi dele.
Assumi minhas escolhas, me responsabilizei por elas e fui entendendo o que tinha me levado até ali e o que eu precisava fazer diferente.
Por três meses eu me comprometi profundamente comigo mesma, em cuidar de mim tão somente. Tive muita ajuda, cheguei a fazer terapia duas vezes por semana, voltei pro meu tarja preta de uso contínuo, não entrei em aplicativo de date, não peguei ninguém, não fiquei doida de droga nenhuma, não bebi – passei por um término duma relação de sete anos sem tomar um porre, cês acreditam?
Os três meses foram um acaso - não planejei que fossem três meses, só foi como aconteceu. Ali, no finzinho do ano (e desses três meses) vivi um retiro que transformou e consolidou muita coisa importante pra mim (escrevi sobre aqui!) e em janeiro fui pra Bahia.
O clichê “confia na Bahia” é um clichê porque é real.
Vivi coisas lindas por lá.
E saí do meu casulo.
Lembro exatamente do momento em que senti que já não era mais a mesma pessoa de antes. Eu estava no mar, chorava, e pela primeira vez em muito tempo não era de tristeza.
Algo estava cicatrizando dentro de mim.
Me senti pronta pra viver o próximo capítulo da minha vida.
Um capítulo só meu.
Ou um livro todo.
Tem muita história.
Estou me divertindo como nunca.
Absorvendo cada pedacinho, escutando cada sensação.
Sendo muito honesta e muito verdadeira com as minhas vontades.
Descobrindo um tanto de coisa.
Me frustrando com outras.
Saindo, rindo, dançando, trabalhando, conhecendo, beijando, experimentando, brincando, pensando, viajando, malhando, querendo, vivendo, vivendo, vivendo.
E me enxergando no meio de tudo isso.
Me vendo com meus olhos.
Olhando pra mim como olhei tantas vezes e por tanto tempo para eles.
E me apaixonando profundamente por ser quem eu sou.
Com carinho,
Stephanie Noelle
As obras dessa publicação são da colombiana Maria Berrío, que entre alguns dos temas do seu trabalho, aborda mulheres em estados de transição, suspensão, ruptura. Mesmo em grupo elas aparentam uma solidão, um vazio, e, sozinhas, você quase pode sentir que dentro delas há um turbilhão.



Estou doidinha pra voltar com as newsletters semanais!
Mas dessa vez não quero fazer atrelada ao Clube de Leitura - se você me acompanha no Instagram deve ter percebido que minha vida tá bem complexa e não consigo agora me comprometer com encontros virtuais marcados.
Então tenho pensado em fazer as news semanais para assinantes + algo especial. Quero dividir com quem segue fielmente aqui um pouquinho dessas coisas todas que tenho experimentado.
Volto já com novidades.
Desculpem pelo sumiço, e obrigada por seguirem aqui.
Até semana que vem!
como baiana™ que já chorou mil vezes de alegria ou tristeza na frente do mar em salvador, com essa sensação de que algo estava em transição ou cicatrização na magia daquele exato momento, a parte do “confia na Bahia” me derramou umas lágrimas aqui 🤍💦
Obrigada por compartilhar o seu relato tão pessoal. Nossas histórias não são as mesmas, mas me reconheci em você. Passei quase a vida toda me relacionando com pessoas que me “escolheram” porque eu achava que ninguém mais olharia pra mim. Me peguei sorrindo e chorando com o que você escreveu. Te acompanho por aqui e no Instagram há mais de 7 anos e me deu quentinho no coração de te ver assim, feliz e olhando pra você. Te desejo novos reencontros e começos com você. E que seja leve.