"no sex and the city"
quem somos nós para questionar o senso comum? (mas isso não é uma ode ao celibato)
o primeiro conselho que a gente recebe depois de um fim é sobre encontrar uma distração. de preferência uma distração que transe bem, tenha uma aparência boa de ficar olhando e uma agenda não muito complicada (definitivamente menos complicada que a sua).
é de conhecimento público que só se cura um coração partido com um calendário repleto de dates, eventos com música muito alta e luz muito baixa, amigas e amigos solteiros e um guarda-roupa novo (ou um novo corte de cabelo).
você pode ler essa newsletter ouvindo minha playlist curada para esse momento bem específico da minha vida: a fossa.
todas nós sabemos disso.
fomos criadas assim.
está nos livros que a gente lê, nos filmes que a gente assiste e nas séries que moldam nosso cárater.
de dia você chora, à noite você se consola com um drink forte e uma roupa justa. se um homem mais alto que você fizer as honras de te encostar na parede enquanto põe a mão na sua nuca, melhor ainda.
essa é a prescrição.
e quem somos nós para questionar o senso comum?
quem somos nós para ouvir aquela voz baixinha que diz “será mesmo que é por aí?” enquanto grita-se do lado de fora para NÃO PERDER TEMPO!!!!!
(acrescenta-se uma urgência ainda maior caso o respectivo motivo do coração em pedaços já tenha seguido em frente – resta a você correr atrás do prejuízo e se mostrar tão desapegada quanto, e de preferência mais).
não lembro exatamente quanto tempo eu demorei pra baixar um aplicativo de dates. não foi imediatamente logo depois de eu dizer "não quero mais ser sua namorada”, mas não deve ter levado muito mais tempo.
minha foto de perfil era uma tirada no carnaval, meu cabelo estava belíssimo e eu usava óculos escuros. achei um saco todas as perguntas – não preenchi nenhuma, odeio me descrever, quer me conhecer fala comigo, risos – mas gostei que ele sincronizava com o spotify. saber o que alguém escuta pode ser considerado afrodisíaco em algumas culturas – na minha, definitivamente.
não vou gastar caracteres para destrinchar a risível experiência que é estar num aplicativo de encontros. rir pra não chorar, relevar o dantesco da coisa, tapar o nariz e mergulhar sem olhar pros lados (direita sim, esquerda definitivamente não), etc.
o fato é que durei pouquíssimo.
eu tinha acabado de me separar e meu inbox estava lotado de homens medianos que sabiam 3 coisas sobre mim querendo um pedaço da minha atenção. um me mandava músicas ótimas (obrigada você que me apresentou Lil Yachty, escuto regularmente) e falava comigo sobre brisas de cogumelo; outro me contava cada pedaço do dia dele, em tempo real, e quando eu sinalizei que não conseguia corresponder na mesma medida – afinal de contas eu tenho um trabalho! uma vida! – ele falou “de boas, eu também fico pouco aqui” e seguiu sendo a notificação que mais apitava no meu celular por mais dois dias até que eu simplesmente arquivei e parei de responder.
teve um bastante especial (risos) que me mandou um vídeo dele mesmo tocando violão e cantando uma música para mim. ele vestia uma camiseta de time (santos? vasco? não me recordo agora e infelizmente perdi todo o meu histórico do whatsapp dessa época) e a cama dele aparecia atrás desarrumada.
não sei vocês, mas uma cama desarrumada enquanto estética só funciona pra mim em uma situação muito específica. de resto, “hoje não, Faro". ele também era desses que me escrevia com frequência, até que um dia mandou “você não tá muito interessada, né?”.
não estava, de fato.
meu melhor amigo havia me alertado que era exaustivo, e que se eu realmente me interessasse por alguém eu deveria marcar de sair logo, porque essa dinâmica do papinho furado online ia me desgastar (ah, como ele me conhece tão bem). a questão é que eu não havia me interessado realmente por ninguém, e, mais do que isso, eu estava APAVORADA com a ideia de sair de casa pra ter um encontro. meu estômago embrulhava e eu não conseguia me visualizar nessa situação.
parei de entrar no aplicativo.
parei de responder todos os caras – eu fico com mulher também, mas nesse início eu estava tão traumatizada que simplesmente escolhi lidar só com um gênero.
fazia poucas semanas que eu estava solteira e decidi que, ao contrário da Stephanie de 25 anos e da maioria esmagadora da sociedade, eu não ia lidar com esse fato como algo transitório ou como algo a ser resolvido. isso não era (não é) um problema.
eu não precisava fazer um esforço pra deixar de ser solteira no menor tempo possível. eu não precisava olhar pra esse fato como um demérito.
eu não ia mais deixar o fato de eu estar ou não estar num relacionamento romântico me definir.
nem o fato de estar ou não tendo encontros. saindo com pessoas. beijando na boca, deitando na cama alheia e voltando pra casa seis da manhã com uma roupa totalmente fora de contexto à luz do dia.
supostamente isso iria me curar mais rápido, mas o remédio mesmo é muito mais amargo e duro de engolir. é desconfortável e de efeito lentíssimo.
tem que tomar diariamente, e mesmo assim tem dias que parece que você nem começou o tratamento.
escolhi esse caminho.
decidi conscientemente que não ia me distrair com isso.
meu coração e minha mente precisavam de descanso, tudo que não haviam tido por muito tempo.
eu precisava de espaço.
de silêncio.
de vazio.
sem nenhuma intenção de preenchê-lo.
sentindo os buracos todos.
as dores, as insatisfações, as inseguranças e as carências.
presente.
recolhendo os cacos enquanto reconstruia a casa.
e ficando em paz com a ideia de ser só eu.
não como um estado passageiro, não algo que eu vivia “enquanto não encontrava alguém pra ocupar essa lacuna".
e também sem papinho de “você precisa estar inteira pra estar com os outros".
a gente talvez nunca esteja inteira de verdade porque o tempo todo vamos deixando partes da gente e trazendo outras. nós e a vida somos orgânicos, em constante movimento.
não pactuo com isso de que precisamos “chegar” em um estado de completa plenitude para então se relacionar com alguém – inclusive esses dias mandei essa pra minha terapeuta, dizendo que “não tô pronta pra me apaixonar!!!! eu preciso me curar primeiro!!!!!” (porque eu racionalmente/na teoria/conscientemente sou muito esperta, mas lá no fundo, naqueles pedaços que a gente evita ver eu sinto um monte de marmelada e besteirada e me conto mentiras também), ao que ela me respondeu “e vai se curar como? entrando numa caverna e morando lá sozinha por cinco anos? a cura acontece dentro e acontece fora, você com você, mas você também com os outros, em atrito".
pois é, então não é sobre estar inteira desse jeito romantizado que o tiktok e os livros de autoajuda nos vendem.
talvez seja mais sobre não querer preencher tudo, na ilusão de criar uma inteireza maciça, sem faltas, sem falhas.
se a gente pensar, nosso inteiro pode justamente estar preenchido de muitas coisas, inclusive vazios. respiros, dúvidas, coisas a serem resolvidas com calma, e não com pressa. isso também ocupa espaço. lugares que a gente ainda não foi, traumas que ainda estamos tateando pra não desabar.
parece contraditório, mas eu sou adepta das contradições. abraçá-las, não rechaçá-las. somos isso tudo, não somos só isso ou só aquilo.
e estar em contato com meus pedaços mais confusos, minhas sombras mais desconcertantes e os buracos mais profundos foi uma escolha intencional.
para que na hora que eu escolhesse me abrir de novo pro mundo, eu estivesse mais presente em mim mesma, sabendo um pouco mais sobre mim, mais consciente das armadilhas da minha própria mente, com um mapa um pouco mais definido – sem jamais estar totalmente finalizado – e a escuta mais aguçada para minhas necessidades, meus limites e minha dificuldades.
escolhi não stalkear, não tentar encontrar sentido e respostas em coisas que, honestamente, nunca farão sentido ou terão explicação lógica pra maneira que eu penso e vivo no mundo. escolhi não me culpar, mas olhei sim pra onde eu tinha falhado comigo mesma.
escolhi não beber, não usar nenhuma droga, não gastar um monte de dinheiro com experiências fugazes, comidas ruins e materialismo puro.
escolhi não sair com ninguém, não beijar ninguém, não transar com ninguém – e olha que meu sol é em sagitário e meu marte é em escorpião.
fiz outras escolhas, no lugar.
escolhi passar bastante tempo sozinha.
mas pedi ajuda, pedi carinho, pedi escuta e pedi cuidado pros meus amigos. Encontrei nelas e neles o acolhimento que nem eu mesma conseguia me dar e aprendi também com eles como eu mereço ser amada – e hoje também me dou esse amor.
escolhi retomar o tratamento com meu psiquiatra. aumentei a terapia pra duas vezes na semana. lidei com o fato de que eu estava passando por um luto emocional, e olhei de frente pra toda a dor que emergiu dali.
voltei a dançar vários dias da semana e redescobri o meu poder, a minha força e meu amor-próprio com a ajuda de mulheres tão tão lindas por dentro e por fora.
entendi que eu não iria a lugar algum se não cuidasse de mim acima de tudo.
ocupasse, verdadeiramente, o centro da minha vida.
não um cara, não um date, não um sexo banal, não a busca por um olhar de validação, uma escolha do outro por mim. isso é secundário. tem seu valor, óbvio. é gostoso e também cumpre um papel. mas é segundo plano.
o primeiro plano é nosso.
enquanto isso, eu sofri. E não foi pouco.
meu algoritmo do tiktok ficava me enfiando um monte de vídeo sobre apego evitativo e apego ansioso, leituras de tarot que falavam sobre uma possível elucidação e retorno com mais presença – pra mim e pra mais setecentas e quarenta nove mil pessoas – e eu passava um tempão elocubrando sobre como essa “fase” era necessária para que ambos estivéssemos melhor ali na frente, e voltássemos “inteiros".
já meus amigos me diziam “é, quem sabe”, mas eles também achavam (torciam, na verdade) que em algum momento eu teria a epifania de que aquela relação já não tinha mais espaço na minha vida e que dali pra frente eu iria viver outras coisas – comigo, principalmente.
eles estavam corretos.
esse tempo que passei em balanço, celibatária, e totalmente obcecada pela minha saúde (mental e do meu corpo), minha casa, meus amigos, meus filmes, meus momentos de solitude, minha dança e minha academia, tudo isso me trouxe uma clareza mental que foi transformadora.
as nuvens se dissiparam e eu consegui ver com muita nitidez algo que eu fechava os olhos pra não encarar.
um dia eu não pensei mais sobre se a gente ia voltar.
pelo contrário.
eu acreditei de verdade que o fim havia sido o meu renascimento.
e viver passou a ser uma delícia,
de novo.
num dia chuvoso da última semana de dezembro eu tive meu primeiro date, depois de três meses solteira – e uma vida em relacionamentos.
(mas isso é assunto pra outro dia.)
com carinho,
Stephanie Noelle
ps: as imagens desse post são do filme “Poor Things", estrelado pela Emma Stone e dirigido pelo Yorgos Lanthimos. esse filme tem lugar cativo no meu coração e na minha experiência de mundo, e me senti vista de muitas maneiras. caso não tenha visto, fica a sugestão 💌
Quer me ler semanalmente?
Como contei na última newsletter, vou voltar com as newsletters semanais fechadas apenas para assinantes.
O momento parece ideal: estou indo viajar - vou passar quase um mês fora, na minha primeira viagem sozinha! – e estou muito empolgada pra dividir essa experiência por aqui, além de ir um pouquinho mais fundo nessa minha vida de agora. Uma das coisas que vocês mais me pedem na dm do Instagram é pra dividir como tem sido minha experiência me relacionando novamente, e também quero falar sobre isso.
Mas quero poder falar com um pouco mais de controle sobre quem lê (afinal, é a minha vida, minha experiência solteira, etc), por isso a maioria dos textos serão fechados.
Como não teremos o clube de leitura (por enquanto!), mudei os valores.
São R$ 13 reais mensais ou R$ 140 no plano anual, para acesso a todo o conteúdo.
Também quero trazer alguns experimentos com podcast, provavelmente voltando das minhas férias.
Pelo próximo mês todos os novos textos ficarão abertos por alguns dias, e depois o acesso será restrito. A partir de julho as news semanais serão enviadas apenas para os assinantes pagos, salvo exceções. Uma vez ao mês teremos uma news aberta ao público.
Fico muito (!) feliz de ter tanta gente me lendo, e mais ainda de saber que tem muita gente igualmente disposta a valorizar o meu trabalho aqui ♥️
um beijo e até semana que vem – diretamente de outro continente!!!
Que texto gostoso de ler!!!! Chega deu um abraço na alma! quando terminei um relacionamento longo muitos anos atrás, eu entrei num celibato intencional de mais de 1 ano, queria me conhecer de novo, descobrir quem eu era sem aquela pessoa, do q eu gostava realmente, quem era aquela Thaís de 24 (!!!) anos que não via a solteirice desde os 20 (!!!). Sofri muito no começo, o estômago encolhia sempre q lembrava do presente de Deus (kkkk), mas fui aprendendo a mergulhar em mim e hoje é uma das épocas q eu lembro com mais carinho e q foi uma das mais importantes pra mim em termos de autoconhecimento e fortalecimento da autoestima, dou graças a Deus pela Thaís de 24 ter tido um lapso de maturidade e ido por esse caminho.
Que texto bom de ler!!!
Engraçado eu me encontrar nele, pq estou em um relacionamento porém em luto com meu eu depressivo.Agora estou vivendo a fase de se reencontrar de novo, depois de alguns anos de um quadro bem depressivo, e esses encontros que temos com nós mesmas é delicioso demais, se redescobrir é uma maravilha!
Te sigo desde projeto pé de meia? (sim, isso msm) e te ver crescer e evoluir na escrita e na carreira é lindo demais. Ler suas newsletters é como ler a carta de alguém muito querida 💖
uma vida cheia de momentos felizes e descobertas pra vc ✨