essa semana peguei pra organizar aqueles pedaços da casa que mais acumulam tralhas. num deles, lotado de cadernos semi-usados e outros poucos totalmente preenchidos, folheei versões antigas de mim mesma. 2018, 2020, 2016, 2012 em fragmentos irregulares, nunca consistentes - nunca consegui manter nenhum diário ou agenda por um ano completo - e a única vez que escrevi (quase) todos os dias foi fazendo as páginas matinais d’"o caminho do artista", e isso preencheu três cadernos por completo - mas divago.
nessas minhas anotações, desejos e imagens de uma stephanie que eu queria ser se repetiam ano após ano. diversas páginas preenchidas com resoluções quase idênticas, que supostamente me transformariam numa versão melhorada de mim mesma. se eu alcançasse aquelas metas, eu seria feliz, realizada, teria tudo, certo?
mas não funciona assim.
a gente acostumou a olhar a vida como essas linhas de chegada que precisamos atravessar, correndo afobadas sem nem conseguir apreciar a paisagem, dar uma respirada, sentar no meio fio e ter uma conversa boa e inesperada com alguém.
talvez a gente demore muito mais pra alcançar, mas e se valer muito mais a pena coletar histórias pelo caminho ao invés de só deixar poeira atrás de nós? tem momentos em que a velocidade é mesmo uma delícia, o vento no rosto, a sensação de autonomia, de força, de foco. no entanto, quem é que aguenta isso sem pausa pra descanso, pra reconexão, pra relaxar, recalcular, treinar?
cumprir metas e ter resultados é legal, mas qual a história que isso conta sobre você? ou, por que cumprir isso é importante pra você? talvez saber essa resposta seja mais importante do que apenas chegar lá.
nessa minha incursão nas diversas versões da stephanie do passado, vendo as metas se repetindo ano após ano, eu tentava me lembrar das motivações por trás de cada uma que não conseguia ser cumprida.
“fazer exercícios com regularidade”, por exemplo, era uma constante. e entrava ano, saia ano, e lá ela seguia, quase que intacta. eu nunca fui do esporte ou da atividade física, nem quando era adolescente (e isso é assunto pra outro dia), e quando comecei a trabalhar em revista de moda, o exercício (junto com muitas dietas restritivas) era apenas um meio para um fim bem claro: alcançar um padrão de beleza inalcançável. não preciso nem explicar o por quê eu não conseguia fazer daquilo parte da minha rotina. naquela época, exercício era um castigo que se “pagava” por não andar na linha - da magreza.
e eu odiava absolutamente cada segundo. e me culpava, a cada novo calendário, por mais uma vez ter falhado.
esse ano, percebi que algumas daquelas coisas que um dia eu tive como meta, fazem parte da minha vida. mas o porquê foi totalmente outro.
me encontrei nos exercícios no auge da pandemia, em 2020, como válvula de escape da minha cada-vez-mais-atacada ansiedade e da minha cabeça sempre cheia. não me cobrei. eu ia quando sentia que podia ser bom pra mim, que poderia me fazer bem. hoje, três anos e alguns meses depois, incorporei outras práticas, tô experimentando mais coisas, sou consistente na academia, danço semanalmente, comprei uma bicicleta (de andar na rua, não aquelas que viram apoio de roupa na sala de casa), tô aprendendo a surfar. me divirto, fico puta, de saco cheio, me frustro, mas sigo fazendo, porque me sinto bem.
parece uma besteira, numa época em que o pessoal faz chacota com autocuidado (eu entendo, a galera pesou a mão mesmo na coisa dos cremes pro rosto e da terceirização de responsabilidade) e qualquer coisa que soe levemente positiva (aqui eu culpo os paquito-gratidão que se alienaram da realidade do mundo enquanto viajavam na própria ignorância e privilégio), mas HÁ NUANCES!!!!!!
outro dia tava vendo um conteúdo1 que falava sobre essa tendência no tiktok de se assumir “delulu” (apelidinho pra “delusional”, que significa “delirante” no nosso português), e eu não vou explicar profundamente o que é isso, mas basicamente é você criar uma realidade própria, que faz sentido só na sua cabeça. tem umas coisas malucas, várias questionáveis, outras tantas inofensivas e se você ficar curiosa vai lá dar uma fuçada2. tem vezes que são umas coisas meio “lei da atração”, outras meio “finja até conseguir”, e outras meio “se você quer, você consegue".
o conteúdo em si trazia uma problematização sobre isso, por responsabilizar apenas o indivíduo numa sociedade que, como todos sabemos, não oferece pra todos as mesmas oportunidades, contextos, educação, dinheiro - e a lista segue longa - para que seja só uma questão de vontade & esforço alcançar alguma coisa. de fato!
lendo os comentários, com todo mundo reafirmando aquele mesmo argumento, eu me peguei pensando também sobre como nem tudo é simples assim (e essa deve ser a frase que eu mais tenho falado ultimamente).
nem tudo é responsabilidade do indivíduo, mas nem tudo é culpa do sistema também. porque a vida tem NUANCES!!!
a gente tem livre arbítrio E a gente vive num sistema capitalista.
a gente pode escolher algumas coisas E somos obrigados a viver outras.
são interseções, não isso OU aquilo.
e claro que aqui eu usei a coisa do “delulu", mas serve pra tantas outras coisas.
a quem serve esse pensamento dicotômico, que boa parte do tempo só nos imobiliza diante da imprevisibilidade da vida, da falta de controle absoluto, da fatalidade do fim?
fazer exercícios regularmente, viver uma vida um pouco mais prazerosa, ser responsável com nossas escolhas, enxergar alguma beleza no cotidiano não vai te salvar do fato de que o sistema é falho, injusto e opressor. de que tem gente com fome, um genocídio acontecendo nesse instante, o planeta indo pras cucuias.
mas talvez estar minimamente bem da cabeça e do corpo ajude a lidar com isso de outra forma.
dê perspectiva, ofereça prazer e diversão pra além do consumo, te ajude a sofrer menos com ansiedade daquilo que não está em nossas mãos controlar.
não resolve, não acaba, não transforma a nossa realidade no paraíso prometido.
o mundo segue, quem muda é a gente.
e eu prefiro o movimento à imobilidade.
tava com vontade de escrever sobre metas e acabou que escrevi esse monte de coisa acima porque acho uma tristeza como nos últimos anos a internet, ao invés de democratizar vivências diversas, parece massificar, pasteurizar e simplificar de um jeito horripilante a experiência que é viver.
é uma pena que a gente tenha entrado tão facilmente nessa lógica polarizada, que antagoniza, classifica como bom ou ruim, certo ou errado, cancelável ou não-cancelável tão rápido quanto é possível digitar 180 caracteres. uma lógica colonial, que impõe um único jeito de fazer, pensar, viver, dizimando qualquer coisa que não seja um espelho de si.
breaking news: não deu certo séculos atrás, segue não dando, o resultado já sabemos qual é.
enfim, comecei sobre metas, engatei exercício físico e cheguei na polarização e não vou amarrar tudo e oferecer uma conclusão bonitinha.
hoje é isso que ofereço pra vocês. alguns fragmentos de pensamentos tal qual meus diários de anos atrás.
isso, e uma lista que fiz nos moldes dos “ins” & “outs” que vi por aí. mas chamei de “vem” e “vai”. porque sim.
obrigada a todo mundo que vem aqui, que me lê, que comenta, que me incentiva, que conta suas histórias, que está por perto (mesmo que do outro lado do computador). vocês tornaram os últimos meses de 2023 muito melhor!
desejo, por fim, que nesse 2024 a gente dê e receba amor, não sejamos cooptados pelo cinismo, consigamos nos flexibilizar diante das frustrações e encontremos alegrias, prazer, paz e diversão pelo caminho.
eu seguirei por aqui.
com carinho,
stephanie noelle
Menina, eu me peguei lendo os cadernos passados com a mesma sensação! É agridoce e delicioso reencontrar esses fragmentos e fazer sentido dele em outros momentos da vida, em outros contextos. Amei os vai e vens, que tão bem parecidos com os daqui (e agora tb fazem parte do meu mural de 2024)
Eu não acredito em coincidência e esse seu texto chegou na minha caixa justamente quando eu fazia minha revisão do ano. E eu recentemente passei PELA IDÊNTICA COISA que vc: várias metas acumuladas e aquela frustração chata. Mas nesse ano (com trancos, claro) aprendi que a história está sempre sendo escrita e cabe à gente se movimentar e fazer o melhor com que tem hoje e sabe até aqui - é assim que a vida se revela. Obrigada por me presentear com essas palavras, tudo que eu precisava ❤️