Vivi altos e vivi baixos enquanto estava doente (peguei dengue - eu e meu namorado, uma tristeza), e quando achei que estava curada, fui lá e ganhei mais três dias de cama, com direito a hospital, remédio na veia, um hospital gelado e eu morrendo de frio, sem forças pra pedir por um mísero cobertor.
O episódio hospital foi interessante.
Passei a noite em claro, de domingo pra segunda-feira, com coceira. Não sei vocês, mas eu achei ridículo - além de nunca ter escutado ninguém com dengue ter falado da tal coceira que acomete você como um último recurso da doença, quase como se ela, sabendo que está indo embora, quisesse ter da um susto e tornar os últimos dias tão ruins quanto os primeiros. Eu tava melhorando no domingo, foi um dia até ok - eu até escrevi a newsletter mais importante pra mim até hoje!!! - mas a noite, por deus, foi tenebrosa. Literalmente não conseguia cair no sono porque a coceira não deixava. Uma coisa agressiva, as mãos e os pés coçando sem parar e quando dava uma acalmada, vinha em alguma outra parte do corpo. Tomei vários antialérgicos (inclusive um que não podia, não façam isso), e nada.
Amanheci determinada a ir pro hospital e resolver a coisa de uma vez por todas.
E lá fui eu, às 7h30 da manhã, sozinha.
Dispensei a companhia do meu namorado, da mãe dele, e de uma amiga querida que morava próxima ao hospital e poderia me fazer companhia.
E por quê? Porque eu achava que precisava ser uma mulher adulta independente que vai sozinha ao hospital, não dá trabalho pra ninguém, resolve seus B.Os e ainda é produtiva durante as crises – eu fui capaz de levar uma mochila com meu computador pra trabalhar enquanto esperava ser atendida (meu plano era montar a apresentação do nosso encontro, que, até então, aconteceria naquela noite). É redundante dizer que não consegui fazer nada disso. Eu fui ficando pior a cada minuto, e quando chegou minha vez de tomar a medicação, eu já estava me sentindo tão fraca e sozinha, que eu comecei a chorar copiosamente, com acesso no braço, máscara na cara e um frio insuportável pra me acompanhar.
Até agora não sei explicar direito o que aconteceu, mas fiquei profundamente sensível, com muito medo, sentindo falta da minha mãe, e com uma sensação generalizada de desamparo. Uma senhora bem velhinha, sentada na poltrona na minha frente, acompanhada pela filha, me olhava com pena enquanto umas lágrimas grossonas caiam por baixo da máscara e eu soluçava sem parar.
Não ajudou ter que trocar o acesso do braço, porque a veia havia sido perdida, e eu ser transportada mentalmente à minha pior experiência com hospital, em 2017, quando fui internada e nenhum enfermeiro dava conta de encontrar e manter a agulha na minha veia. Tive que ficar com o acesso na mão, que é algo horripilante, além de doer muito mais, por seis dias.
Chorei por muito tempo, e quando o remédio começou a fazer efeito e o sono bateu com força, eu não conseguia dormir de tanto frio que eu estava sentindo. Demorou até eu conseguir chamar a atenção de uma enfermeira, um anjo na verdade, que prontamente me trouxe uma cobertinha. Dormi por duas horas e quando acordei e tive que sair andando com o acesso no braço, a cobertinha, a mochila nas costas e uma garrafa d'água na mão pra descobrir se eu estava liberada ou não, chorei mais uma vez.
Virei uma criança sozinha no meio de um monte de adultos muito altos e crianças segurando bem forte a mão de suas mães.
E eu ali, pequenininha.
Nessas de querer ser autônoma, independente, não depender de ninguém e nem dar trabalho, a gente esquece que é humana, que precisar de ajuda não te faz um fardo, e que vulnerabilidade também é um estado físico, de se colocar em perigo sem motivo – e que não há glória nenhuma nisso.
No meio desse episódio fiquei sem bateria e ao sair do hospital, meu namorado estava lá, me esperando pra me levar pra casa. Quando entrei no carro, chorei tudo de novo, dessa vez percebendo como tinha sido estúpida por não aceitar ajuda, por querer honrar uma imagem qualquer de mulher forte que criei na minha cabeça pra provar pra mim e pros outros que eu sei me virar sozinha e faço isso muito bem, obrigada.
Isso é ótimo, mas não quando a gente realmente precisa de ajuda, amparo e suporte. Saber a diferença parece ser um talento que eu não possuo, e talvez ter sido criada num ambiente em que o apoio era sempre oferecido por mim, desde tenra idade, não tenha ajudado muito.
Naquele dia e pelos próximos me deixei ser cuidada, aceitei que estava doente, não toquei no computador e me forcei a não responder o slack da empresa. Coisa que na semana seguinte, eu não fui capaz de fazer por mim. Se eu me sentia levemente melhor, lá estava eu resolvendo um pepino, fazendo um trabalho, arrumando a cozinha de casa, botando ordem nas coisas. Tenho horror a ideia de me sentir inútil ou um peso pros outros. Sou compreensiva com qualquer pessoa, mas não comigo. E isso já é ruim normalmente, mas em situações que envolvem nossa saúde física, é ainda mais evidente o quanto é uma escolha perigosa.
Fiquei bem, estou saudável agora, tive calma nesse retorno, não me forcei a nada, embora estivesse com muita saudade da minha rotina.
Mas ainda me dói lembrar daquele dia e de todas aquelas lágrimas.
Do choro de uma stephanie criança que precisa ser cuidada, que tá cansada de provar coisas, de cuidar de tudo, de ser responsável por tudo, de colocar o mundo na frente de si mesma, e carregar nos ombros o peso insuportável de não poder errar, se fragilizar, ser humana.
De dentro de mim saiu o pedido de atenção mais honesto que eu já fui capaz de dizer, e que só eu poderia ouvir.
Em alto e bom som, "cuida de mim".
Vou cuidar.
Com carinho,
Stephanie Noelle
📚 Próximo livro do Clube de Leitura 📚
Tudo sobre o amor, da Bell Hooks.
Vamos começar em junho, já já vem a news com todas as informações!
É apenas para assinantes da newsletter, então se você quiser ler com a gente, já assine!
📹 Falando em assinatura:
Para nosso próximo ciclo teremos, além dos encontros, vídeos meus :)
Estou com saudade de vídeo, estava procurando um motivo pra voltar a fazer aquele formatinho sentada no sofá papeando com vocês, e esse foi o impulso que faltava.
E sobre nosso último encontro d’O Caminho do Artista: