um desejo bobo ainda é um desejo, uma pequena vitória ainda é uma vitória
dizer que perdi as contas de quantas vezes eu ensaiei começar essa newsletter é algo bastante clichê, eu sei. mas é, por si só, fio condutor para o que venho pensando dia sim-noites-também ao longo desse ano. A insegurança do agir. O medo de falhar. A busca pela hora certa. A síndrome de que não sei nada de nada então melhor nem arriscar. O bedel interior que diz que vão descobrir que sou uma fraude, mais cedo ou mais tarde.
poderia contar nos dedos das mãos a quantidade de mulheres que me garantiram que nunca sentiram nada disso. Mentira. nos dedos de uma mão, apenas. todas as outras que tive a chance de estabelecer esse assunto, de uma forma ou de outra, por um motivo ou por vários, vivenciam todos os dias o fenômeno do deixar pra depois, quiçá deixar pra lá.
numa conversa aleatória por DM com uma dessas mulheres, num rompante de inspiração (e cansaço, também), escrevi algo como: “somos inteligentes, conscientes, perspicazes, extremamente poderosas, presas por amarras mentais e sociais que nos dizem todos os dias que isso tudo é uma ilusão e que ainda precisamos comer muito feijão com arroz pra chegar a algum lugar. e talvez nessa hora já sejamos velha pra isso - seja lá o que velha signifique. talvez o tempo tenha passado, a chance, as oportunidades, todas tenham escapado por entre os dedos e se tornado então apenas memórias esmaecidas de algo que nunca chegamos a ser, mas vislumbramos.
essa angústia que sentimos todo dia aqui dentro só pode ser essa força toda gritando pra sair, essa potência, essa energia, que ao ser libertada vai nos fazer voar por ares nunca dantes explorados e que sim, é também nosso lugar”.
a intensidade não é algo que me falta, confesso.
exceto quando é pra acreditar em mim, e aí acho que faltou mesmo um pouco desse tempero.
fui criada por pais muito diferentes.
minha mãe repetia, em momentos oportunos como leitura de boletim, elogios de professores e conquistas de pequenos marcos da vida de uma adolescente interiorana, que “eu iria até a lua, se eu quisesse”. uma crença quase que cega na minha capacidade de fazer qualquer que fosse meu sonho acontecer. no mundo da minha mãe eu sempre fui a heroína que vence o chefão sem grandes dificuldades, uma espécie de predestinação ao dar certo.
pois como dois lados da mesma moeda, meu pai não falhava com seu balde de água fria, numa descrença contagiante, que pra ele se justificava pelo fato de que éramos pobres. “e quem é pobre não tem esse luxo aí de sonhar. a gente agradece o serviço que tem”, falava ele quando estava de saco cheio das minhas mirabolantes vontades e planos. no ano do meu vestibular, chegou a rir da minha dedicação ferrenha em passar horas a fio estudando no meu quarto, me comparando aos meus primos homens que já estavam “trabalhando e ganhando um dinheirinho”.
pois não é preciso que eu detalhe o quanto essas duas personalidades criaram raízes profundas dentro de mim. alguém que sonha tão alto quanto é possível, mas se vê incapaz de realizar, pura e simplesmente porque não é pra mim.
não sei quais são as suas raízes, mas acredito que esse “não é pra mim” se desdobra de jeitos infinitos dentro de cada uma de nós. não me parece certo, não estou pronta, não cheguei lá, não tenho o suficiente, não sou capaz, e assim indefinidamente.
alimentamos esses monstros com essas migalhas diárias de ceticismos pessoais, tanto, tanto, que ele cresce ao ponto de dominar nossa existência. se torna maior do que nós. nossas vontades, sonhos, desejos.
e quem disse que poderíamos sequer desejar? almejar algo para além daquilo que nos é imposto e cobrado socialmente? só o fato de querermos ir além do nosso cercadinho soa inadequado. ambição é uma palavra que não combina com uma mulher, disse alguém, um dia. e acreditamos.
questionamos nossa capacidade e nosso próprio desejo. lidamos com essas forças que nos empurram pra dentro de nós mesmas e pra quietude da nossa existência. quanto menos desejarmos, quanto menos usarmos nossas ferramentas, tanto melhor pra manutenção do mundo como ele é.
e você pode até achar que tudo o que você deseja é bobo. não sei, talvez seja. e qual o problema nisso? em desejar algo bobo? talvez você nem se dê ao trabalho de desejar com grandiosidade porque nunca achou que podia. mas é na realização daquilo que lhe parece bobo, pra você ou pro mundo, que você responde a um impulso que é só seu. e se vê como capaz. como responsável também pelos próprios sonhos, vontades e desejos.
as histórias que ocupam lugar no imaginário popular não são sobre as realizações de pequenos desejos mundanos, muito pelo contrário. ocupam centenas de milhares de páginas as narrativas grandiosas. pois eu te garanto que o clímax não se construiu do nada. foi preciso algumas muitas pequenas-grandes-vitórias diárias antes da batalha triunfal.
essa newsletter é minha pequena-grande-vitória.
uma vontade de longa data de 1. voltar a escrever; 2. não me limitar ao formato por si só limitante do IG; 3. colocar no mundo coisas que eu penso que talvez não façam nenhuma conexão entre si mas ressoam aqui e talvez ressoem aí.
ah, e uma necessidade gritante de me convencer a não recorrer a mil subterfúgios toda vez que eu penso em criar algo.
essa newsletter é isso. a realização de um pequeno desejo que encontrou resistência dentro de mim, mas que, hoje, eu venci.
em um mês, dia 17/12, faço 31 anos. achei simbólico.
com carinho,
stephanie noelle