Sinto raiva de coisas que não tenho controle e não posso mudar, como o fato do prefeito de São Paulo ser uma figura desprezível e estar transformando nossa cidade rapidamente num caso de abandono enquanto os bolsos dele ficam cada vez mais cheios. Sinto raiva do fato de existirem bilionários num mundo onde 828 milhões de pessoas dormem com fome todos os dias. Sinto raiva por causa do avanço da crise climática e como nossos micro gestos individuais nada se comparam ao impacto das grandes indústrias, do agronegócio e da busca incessante por mais lucro independente do que isso vai causar nessa e nas gerações futuras.
Mas sinto raiva também de pessoas próximas, de comportamentos mesquinhos, de quem mente pra mim achando que está """me protegendo""", de quem fala na internet uma coisa mas vive na vida outra completamente outra, de quem ganha dinheiro-reconhecimento-espaço mesmo sendo um/uma escroto/a, de quem não tem autoresponsabilidade, de quem não admite seus próprios privilégios e uma grande lista - porque sim, nesse rostinho de ascendente em peixes e voz doce vive uma pessoa que sente muito, inclusive raiva.
Também tenho raiva de mim mesma, e, por vezes, demoro a entender que estou projetando essa raiva em outra pessoa, num comportamento defensivo causado por uma frustração e insatisfação intensa com ninguém mais, ninguém menos do que eu mesma.
"Quando as pessoas não querem ver algo, elas sentem raiva de quem as mostra. A fúria é direcionada ao mensageiro", diz Julia Cameron no capítulo 3. Bateu aqui.
Um dia, ano passado, no meio de uma viagem gostosa em que tudo estava bem, perguntei pro meu namorado sobre o que ele queria fazer nos próximos cinco anos.
Nos minutos que vieram em seguida, fui ouvindo ele contar de alguns sonhos e desejos, coisas que eram importantes pra ele de serem cumpridas e realizadas, coisas que trariam aquele senso de satisfação. Viagens, estudos, conquistas profissionais.
E então, ao final: "E você?"
Algo não bateu bem. Senti um gosto amargo na boca, um descontentamento crescente, uma vontade de chorar e sem saber articular direito o que eu tava sentindo. Percebi que estava com raiva. E briguei com ele.
Fiquei com raiva de ouvir aqueles sonhos que não eram sobre nossa vida juntos.
Me senti descartável, e falei tudo o que eu estava sentindo. Despejei nele minha frustração e insatisfação, e o fato de que eu tava me sentindo uma palhaça.
Como assim aqueles sonhos não eram sobre a gente? Sobre mim?
Falei várias coisas e antes mesmo de terminar eu já tinha me dado conta da raiz daquela briga besta, que nada tinha a ver com ele. Mas como qualquer pessoa (doida) normal, eu segui projetando no outro algo que era meu.
Ele então me perguntou mais uma vez: "Por que você não me diz os seus sonhos? O que você quer fazer nos próximos cinco anos?"