criando conexão ou apenas conectadas?
Por que estamos online o tempo todo nas redes sociais?
Se a gente pensar bem, tudo começou com vontade de conexão.
Saber como estão nossos amigos e pessoas que nos importam, dividir um pouco da nossa vida a fim de trazer pra perto quem não necessariamente pode estar ali, fisicamente.
Começou assim.
Hoje nossa relação com isso mudou completamente. Não estar presente nas redes sociais soa estranho, seja para falar da sua vida, vender seu trabalho ou divulgar sua loja. A conexão com pessoas que nos importam se mistura com a presença constante de gente que muitas vezes nem gostamos tanto assim, e a vida delas passa a permear a nossa vida, gerando uma sensação de que sabemos sobre elas alguma coisa, ou grandes coisas - quando na verdade na maioria das vezes não sabemos verdadeiramente nada.
Na newsletter anterior falei sobre como minha presença na internet desde muito cedo moldou muito como eu compartilho minha vida e entendo meu valor no mundo.
Foi um texto importante para mim, e esse assunto todo é algo que está bem fresco na minha mente.
Sem pensar muito eu simplesmente parei de postar nos stories no começo de novembro do ano passado. Não foi algo programado, uma vontade de fazer um "detox" ou uma experiência. Não pensei sobre quanto tempo eu ficaria sem compartilhar nada, como voltaria ou qualquer coisa estratégica do tipo. Eu apenas deixei de postar porque estava ocupada fazendo outras coisas.
Várias vezes antes eu já fiquei distante da internet, mas quase sempre motivada por estar num período difícil, por estar muito ansiosa ou por sentir que estava viciada na descarga rápida de dopamina que a gente recebe toda vez que usa alguma rede social.
Mas dessa vez não tinha nada a ver com isso.
Eu estava muito feliz.
Estou muito feliz, nesse momento aqui que escrevo.
(E digo isso completamente ciente de que assumir que se está feliz na internet pode soar como afronta, alienação ou arrogância. Que seja. O próprio fato de que a gente sinta necessidade de justificar nossos sentimentos e sensações compartilhadas na internet o tempo todo já é, por si só, sintomático e exaustivo.) *
*Ps: Escrevi isso em dezembro, os meses correram e eu estou num dos meus momentos mais complexos dos últimos anos. O início do ano veio como um trator e eu estou tentando ficar bem. E essa nota tem o intuito de me lembrar, e talvez te lembrar, que não só a felicidade, mas também a angústia e a ansiedade, não são estados permanentes.
E que isso aqui vai passar, e as coisas boas também vão passar, e pode parecer horrível, mas no final é isso que faz com que a gente escolha estar presente e valorizar aquilo que realmente nos faz bem. Muitos dizem pra vivermos a dor, porque ela é importante, e só assim conseguimos superá-la, de alguma maneira. Mas também precisamos ser lembradas de viver a felicidade. Viver intensamente a felicidade, sorver cada minuto dela. Pra lembrarmos vivamente dela quando tudo o que tivermos, naquele momento, for só uma memória.
Naquela semana em que simplesmente deixei pra lá o botão de "publicar", eu estava realizando um sonho, ao ir para o Rio de Janeiro sozinha, pra assistir a um show solo da cantora Lorde, que embala minha vida de maneiras muito bonitas há muitos anos.
Fui feliz demais.
Em seguida viajei com meu parceiro pra uma cidade no interior de são paulo para casarmos amigos de longuíssima data no mundo real.
Fui muito feliz (e me emocionei horrores).
Quatro dias depois pegamos um carro e fomos passar seis dias num hotel de paredes brancas na beira de um mar lindíssimo com pôr-do-sol cinematográfico para celebrar os cinco anos que estamos juntos, eu e gui.
Fui obscenamente feliz.
Percebi, ao longo dessas três experiências, que fazia muito tempo que não me sentia tão presente na minha própria vida com aquela intensidade.
Fazia muito tempo que eu não me conectava tão profundamente com o que eu tava sentindo, vendo, ouvindo, e mesmo com as pessoas ao meu redor. Com o que eu tava vivendo.
Eu, já há algum tempo, não sou mesmo a pessoa que compartilha as coisas em tempo real. Tenho meu próprio ritmo, gosto de viver e postar depois.
Mas e quando a gente nem posta nada, e viver aquilo, naquele momento, é só sobre viver aquilo mesmo? A experiência se finda nela própria e, portanto, tem menos valor?
Escutamos brincadeiras desse tipo o tempo todo: "Se não postar, não aconteceu!". Parece uma loucura, mas é um pouco isso.
Se você não compartilhar, ninguém sabe. E aí qual o valor daquela experiência pra você, sem a validação do outro? Sem o carimbo "publicado"?
Mais do que isso: ao vivermos algo importante sabendo que vamos compartilhar com conhecidos e desconhecidos na internet, essas experiências seguem sendo genuínas? Ou escolhemos isso ou aquilo porque vai dar uma foto bonita, visitamos um lugar porque a parede é rosa shock por mais que não tenha nada além daquilo, ou bebemos um drink que vai ficar bem na foto, mesmo que o gosto seja péssimo?
Se antecipamos a memória, o que vivemos é orgânico ou uma tentativa de reproduzir um roteiro ideal da nossa mente, sem conexão, presença, espontaneidade?
Pré-editamos experiências com o intuito primário de contar essa história, antes mesmo de viver a história, tornando a realidade dos fatos uma mera tentativa de alcançar a foto perfeita, e, a nossa presença ali meramente ilustrativa.
(Essas questões me rodeiam nem só nesse sentido, mas também em outro: quando postamos posicionamentos, opiniões, indignações para que sejamos lidos como pessoas conscientes e não-alienadas, quase como uma lista "coisas a fazer". Se está postado é real. E aí quase que tanto faz o que aquela pessoa faz ou deixa de fazer na vida real e prática. Ela está protegida pelo manto da pessoa pública com noção. Mas divago - esse não é o tema, mas poderia ser.)
De volta ao meu universo próprio, me vi nessa situação várias vezes esse ano, de viver uma porção de coisas e nada delas serem compartilhadas publicamente no meu perfil pessoal.
E eu vivi todas elas, intensamente.
Ao mesmo tempo que parte de mim sente uma pontada de arrependimento de não ter "eternizado" essas experiências com as sensações do momento, para eu olhar pra trás e sentir um abraço vindo daquela stephanie, vivendo aquela história.
Por isso mesmo acredito que nada é tão preto no branco assim, e detesto afirmações categóricas de "isso é ruim" e "isso é bom". Há tantas nuances na experiência humana, e a internet conseguiu a proeza de multiplicá-las exponencialmente ao mesmo tempo que, de uma maneira muito maluca e talvez contraditória, tudo vira uma coisa só. Quer dizer, tudo se metamorfoseia em opostos dicotômicos que servem basicamente pra confirmação da sua virtude (ou falta dela).
Minha terapeuta e eu temos essa conversa semana sim-semana não, sobre como viver a internet é lidar com uma percepção muito bidimensional do mundo e do outro.
Experiências complexas se tornam algo plano, simples, que são (in)compreendidas em fugazes 15 segundos. Mesmo que tenha o potencial de ser uma ferramenta que expande nosso universo a níveis nunca antes imaginados.
DOIDO.
Não tenho opiniões imperativas sobre não postar versus postar nas redes sociais. Como diria o ditado, o que faz o veneno é a dose. E deve ser por aí mesmo: qual o espaço (e o tamanho desse espaço) que essas plataformas ocupam na nossa vida e o quanto a influenciam deveriam ser escolhas conscientes que fazemos todos os dias, ao invés de só nos deixarmos levar por uma sensação de que se não fizermos parte de um determinado jeito, então não faremos parte de jeito nenhum.
Acredito (de verdade) que existe um caminho possível, que talvez comece com a gente pensando sobre o assunto, e escolhendo fazer parte do nosso jeito, no nosso ritmo, com nossas verdades. Ocupando um espaço com aquilo que importa pra gente, e menos com o que importa pros outros (quem são esses outros, afinal de contas?) ou pro algoritmo.
E que viver de uma maneira que nos preencha, venha antes, muito antes, de escolhermos preencher um carrossel com dez fotos.
Com carinho,
Stephanie N. B.
Sua newsletter caiu como uma luva na minha fase atual. Já fui blogueira de beleza e, como a posição mandava, vivia super conectada e compartilhava muito da minha vida nas redes. Ao mesmo tempo, os principais aspectos dela - meus medos, inseguranças, dores - ficavam de fora, pois eu não queria macular a imagem que estava construindo, trazendo os verdadeiros aspectos da minha identidade.
Dez anos depois, não tenho mais blog, e tenho um Instagram em que publico cada vez menos. Peguei bode de compartilhar minhas fotos de treino, os momentos espontâneos que poderiam virar stories, tudo. Só posto de forma editada e quando eu quero, e geralmente essa vontade leva semanas ou meses pra aparecer.
Acontece que esse movimento tem me feito muito bem. Eu vou à academia porque quero ir, e não porque vou me sentir mal se não postar. Vou a um restaurante porque quero comer, e não porque ele é hypado virtualmente. Como desdobramento, vieram outras ações, como cancelar notificações das minhas atividades físicas no Apple Watch de amigos; cancelar notificações de apps em geral no celular; silenciar não apenas grupos, mas pessoas no WhatsApp.
Mil coisas estão acontecendo e vivê-las sem dar satisfação está sendo muito prazeroso e profundo. Tanto que, de vez em quando, tenho vontade de compartilhar - e a palavra é essa mesmo. Não tem obrigação envolvida. É só uma vontade de falar sobre algo.
Acho que vale demais falarmos mais sobre a desconexão e como ela, paradoxalmente, gera mais conexão.
<3
Steph, leio me identificando consideravelmente e me questionando sobre o que, do seu ponto de vista, parece ou não com as coisas que eu sinto por aqui, no meu relacionamento com as redes e as pessoas. Tem realmente dias que estou mais low-profile (pra usar a palavra da moda dos gen-z), mas tem dias que estou faladeira e quero ter (nem que seja ilusória) a sensação de que alguém no mundo me ouve.
Esse lugar (da emissora) talvez esteja mais resolvido pra mim, enquanto o que pega mais é ser receptora das vidas editadas das outras pessoas, num complexo & perigoso vórtex de comparação, que vai de questionamentos do tipo "eu deveria estar fazendo X ou Y igual essa pessoa?" até "nossa, eu sou mesmo um fracasso, porque veja minha vida agora".
Enfim, acho que esses assuntos se conectam, o postar-não-postar e o ver-não-ver, e eu queria sugerir que essa fosse uma próxima reflexão pra você dividir com a gente, se fizer sentido na forma como vc experiencia as coisas, claro. Seria legal pensar com você sobre isso. Enfim, um beijo e obrigada pela escrita.